Conheça o Hotel Aurora: um estabelecimento que ajuda os hóspedes a realizarem seus desejos mais íntimos. Com uma arquitetura moderna, o resort é localizado numa região montanhosa da Dinamarca e oferece vistas de tirar o fôlego. Contudo, vá avisado: depois de entrar, não é possível sair.
A descrição acima corresponde à instituição que conhecemos em O Turista Suicida, segundo filme do diretor Jonas Alexander Arnby. Mas também descreve O Hotel, estabelecimento visto no ótimo O Lagosta (2015), de Yorgos Lanthimos. Em ambos os filmes, o espaço de hospedagem oferece conforto, mas exige um preço. Na trama dinamarquesa ele auxilia em fantasias suicidas, no título irlandês forma casais em uma sociedade distópica.
O longa de Arby mantém outras semelhanças com o de Lanthimos como a fotografia carregada em cores frias, a apatia dos personagens e um certo tom melancólico. Entretanto, falta a O Turista Suicida a dose certa de humor ácido, que o roteiro tenta emular sem muito sucesso, e uma conexão mais verdadeira entre o protagonista e o meio que o cerca.
Não que Nicolaj Coster-Waldou (aka Jamie Lanister) esteja ruim, pelo contrário. Ele aparece dedicado em tela e faz boas escolhas para interpretar Max, o investigador de uma seguradora que tenta solucionar o desparecimento de um cliente. A questão principal de O Turista Suicida é que falta estrutura.
Em sua busca pelo cliente, Max conhece o Aurora Hotel e, em meio a uma crise existencial, decide se hospedar ali. Quando começa a questionar a própria percepção de realidade, seu relacionamento com Laerke (Tuva Novotny) se torna a única tábua de salvação que lhe resta.
Tudo isso nos é mostrado com uma fotografia exuberante que reforça o poder da natureza que circunda o personagem. Por vezes, este é mostrado diminuído diante de grandes paisagens, o que acentua o seu sentimento de solidão. A câmera também se posiciona em frequentes closes, que apostam na capacidade de Nicolaj para sustentar a cena.
Entretanto, mesmo com uma técnica executada corretamente, o filme não consegue se aprofundar em nenhum dos temas que se propõem a tratar. O hotel, por exemplo, vai aos poucos ganhando ares de prisão. Em uma conexão com a natureza, que é sempre tão presente, a instituição se comporta como uma planta carnívora, que depois de atrair suas presas para uma armadilha não as deixa fugir. Porém, falta uma justificativa clara para tal comportamento.
Igualmente aleatória é a cena de Max com a falsa mãe (Kate Ashfield). Em um diálogo que poderia ser promissor, a funcionária do hotel confessa que, em seus últimos momentos, os homens buscam por amantes ou mães e seu trabalho é fingir ser uma ou outra. “Esta não é forma muito simplória de um gênero enxergar o outro?” ela pergunta. Ainda que coberta de razão, a indagação da personagem fica sem resposta e parece ser pro forma, uma vez que tem pouco ou nenhum efeito no arco dramático de Max.
O único tema melhor desenvolvido é o da eutanásia. Aqui o público consegue tocar nos dilemas que circundam a questão. Os motivos que levam algumas pessoas a querer acabar com tudo e as reflexões inerentes a saber a data da morte são genuínas. Acima de tudo, fica claro o desejo compartilhado de manter a dignidade nos instantes finais.
Quando Max faz uso de poderosos psicotrópicos (sdds Bacurau) e sofre alucinações cada vez mais vívidas, em outra emulação ao realismo fantástico de O Lagosta, já é tarde demais e o artifício não consegue resgatar a narrativa. A certa altura, o personagem de Nicolaj afirma “eu não sinto nada”. Essa também é a reação do público que passa o filme todo perdido numa grande poça de temas superficiais e promessas não cumpridas.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.