Carta aberta a Paulo Autran,
– Paulo Autran foi um dos grandes, senão o maior de todos.
De certa forma, Paulo, eu sempre soube disso e deixo aqui minha primeira pergunta: por que continuamos a homenagear nossos artistas só depois que eles morrem?
Gostava do seu nariz Paulo. Dos seus olhos esbugalhados. E da sua voz melodiosa, também. Não nos encontramos, mas felizmente tive acesso a esses arquivos todos que são distribuídos em escolas, por aí. Mas vi e me agarrei a estas imagens como me agarrei à fé que voltaria a trabalhar.
Gostava do seu tamanho, Paulo. Não do tamanho físico, mas do completo. De certa forma, vinham todos com você, não é? Os do bardo, os de Ibsen e Pinter, os de Glauber Rocha e mesmo os pequenininhos que a gente não costuma contar pra ninguém, mas que estão lá.
Todos vêm com você, mas quem veio antes de você, Paulo? É impossível nomear.
Gostei de ouvir dos seus tropeços, no Arqui. De quando mexeu no discurso do Próspero, da Tempestade. E de quando revelou ao público seu fracasso, soube reconhecer sua falha e transformou-a num aplauso em cena aberta.
De um jeito ou de outro, todos nós não nos encaixamos, não é mesmo?
A foto na parede, o sorriso debochado, olhando para qualquer outro lugar além daquele comum.
É fácil se apaixonar por você, Paulo. Pelo Paulo que Abujamra nos apresenta.
“Paulo Autran é um ator de teatro”.
As coisas não estão fáceis para o teatro, meu querido colega. Imagine só que aquele seu amigo do gozo em cena aberta está prestes a ser desapropriado. E que nunca se fez tanto teatro para a classe, sem propósito nenhum a não ser arrebatar um prêmio ou uma crítica que signifique coisa qualquer.
Gostei de te ouvir falando das pequenices. Dos fracassos. Da importância que se dá à empatia, ao discurso que na verdade é diálogo e que tem que chegar.
Tem que chegar, querido. Estamos perdendo a ternura, a escuta. Estamos perdendo para arranha-céus de 100 andares e doses homeopáticas de rações distribuídas junto à merenda escolar.
Estamos perdendo o espaço conquistado por vocês todos, Paulo. E isso me entristece.
Pra que, tudo isso, afinal?
Tua frase de outro ecoando na minha cabeça: “a vida é uma história narrada por um tolo, cheia de som e fúria, significando nada”.
“E agora, José?”
Você não está mais aqui pra ver. Mas seus impulsos estão. Seu não-pertencimento está. Sua fé no outro pode ser ouvida nas entrevistas que sobraram: “Ter uma companhia é ter um projeto de vida”.
Gostaria que tivesse visto o que fizeram pra você.
Talvez você risse dos fotógrafos e da pavonice toda em torno de mais uma homenagem.
Talvez você debochasse de uma escolha ou outra.
Talvez você se emocionasse ao rever amigos, amores e tantos que te admiram.
“Você não morre, você é duro, José”.
Você não está aqui.
Mas o show tem que continuar.
Seguimos.
Com amor,
Domitila.