O cavalo é um animal de beleza rara. Talvez por causa disso ele seja um dos bichos mais utilizados no cinema, logo atrás de cães e gatos. Não são poucos os cavalos que ganham protagonismo em longas, seja em westerns, filmes de guerra, dramas históricos ou mesmo em narrativas de amadurecimento. Esse último exemplo, inclusive, costuma emocionar o público por oferecer um amplo leque de situações que envolvem o animal e o indivíduo em formação.

É justamente nessa temática que se apoia Rota Selvagem, nova empreitada do diretor Andrew Haigh. O filme narra a história de Charley (Charlie Plummer), um jovem de 16 anos que vive com o pai em Portland, nos EUA. Apaixonado pelo universo equestre, o garoto se alterna entre a escola e o trabalho como cuidador de Pete, um cavalo de corrida. Porém, mais cedo do que imaginava, Charley precisa enfrentar duras situações que irão formar seu caráter. Nesse contexto, a amizade com Pete se tornará crucial para definir sua índole.

De maneira curiosa o longa possui um estilo 2 em 1. A primeira metade situa o espectador na realidade do jovem, mostra que ele não possui amigos e mora só com o pai, com quem tem uma relação de cumplicidade. Também acompanha seus primeiros dias trabalhando para Del (Steve Buscemi), dono de Pete, e sua inserção no mundo das corridas de cavalo. Enquanto cativa uma amizade com o pai, Charley tem em Del um verdadeiro mentor, com quem aprende condutas básicas de comportamento.

Após uma série de acontecimentos desafortunados, a segunda metade do filme adquire um tom completamente diferente e ganha ares de road movie. Nesse momento, Charley vê em Pete um amigo inestimável, um confidente e um porto seguro que lhe ajuda a superar as dificuldades. É justamente aqui, quando ambos abandonam os cenários anteriores e aparecem completamente inseridos na natureza, que vemos o verdadeiro processo de amadurecimento do garoto.

Cheio de raiva juvenil e com pouca capacidade de julgamento crítico, o jovem aprende na marra que suas escolhas impensadas geram consequências graves. De maneira crua e verdadeira, a produção destaca a dureza da realidade, que mastiga, engole e regurgita Charley em um caldo de situações insolúveis.

O garoto passa por um processo de desconstrução gradual em frente ao público. A chegada à maturidade não é idílica e romantizada como estamos acostumados. Pelo contrário, existe um grande apego com o realismo, que abarca desde as crueldades cometidas com os animais durante as corridas até os ritos de passagem mais dolorosos para a vida adulta. Tudo isso ganha intensidade ao ser interpretado por Charlie Plummer, que se mostra um ator de escolhas assertivas e profundas. O ator, de apenas 19 anos, apresenta uma grande amplitude emocional e vive de maneira convincente os dilemas de seu personagem.

Visualmente o título também agrada. Os tons amarelados da fotografia servem para destacar a beleza da pelugem marrom de Pete. Além disso, um cuidadoso trabalho de cores e figurinos mostra os sentimentos internos de Charley. Logo no início ele usa camisetas claras, geralmente em tons pastéis, para transparecer sua inocência e juventude. Durante o segundo ato, o garoto passa a usar vermelho, denotando a raiva e a frustração que lhe atormentam. Antes do final, as roupas se tornam cinzas quando ele precisa enterrar suas emoções para lidar com problemas mais urgentes.

De maneira eficaz, Rota Selvagem possui um roteiro cíclico que enfatiza o efeito das mudanças derivadas da maturidade. Após concluída sua aventura, Charley mantém alguns velhos hábitos, mas em seu olhar (e novamente destacamos o belo trabalho de Plummer) podemos ver que ele é uma pessoa completamente diferente. Ainda que a trama não seja uma pérola de inovação, uma vez que trabalha situações mais ou menos dentro da cartilha coming of age, o filme se mostra tocante e sentimental.

Diferente de outras produções aqui o cavalo tem seu lugar na trama, mas não é protagonista, servindo como um fator de amadurecimento. Assim como nas corridas que disputa, Pete acelera o ritmo da vida de Charley, o obriga a colaborar, tomar consciência do outro e o leva de forma confusa à vida adulta, onde o jovem chega sem fôlego, com a areia nos olhos e sem a certeza da vitória. Ainda que seja duro, esse processo é necessário e o longa consegue reproduzi-lo melhor do que a maioria. Uma aposta certa para a emoção.

 

*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Rota Selvagem

 

Ano: 2017
Direção:  Andrew Haigh
Roteiro:  Andrew Haigh
Elenco principal: Charlie Plummer, Amy Seimetz, Travis Fimmel, Steve Buscemi
Gênero: ​Aventura, Drama
Nacionalidade: Reino Unido

Avaliação Geral: 3,5