Conforme os anos passam para sua carreira cinematográfica, a estética de Fellini claramente vai ganhando camadas de significados e sofisticação. Até aqui, tínhamos acompanhado sucessos baseados em discursos muito palpáveis que retratavam basicamente as mazelas de uma Itália em meio aos anos 50.
Desde A Doce Vida e o retorno triunfante da Cinecittà, com a invasão das estrelas hollywoodianas e o novo boom da indústria cinematográfica na Itália, chegamos aos anos 1960 com Fellini se vendo diante de seu primeiro grande dilema: o que acontece depois que um diretor renomado alcança o sucesso a ponto de conseguir realizar sua obra-prima?
8 ½ surge desse pequeno grande questionamento. O diretor Guido Anselmi (Marcelo Mastroianni) encontra-se numa gigantesca crise criativa, estagnado em sua vida profissional, em sua vida pessoal e perseguido por suas memórias – imagens de como tudo era antes que ele virasse um diretor aclamado.
Fellini, sabiamente, monta seu time de confiança e entra no set pra falar sobre sua vida. Mastroianni volta, Anouk Aimée volta, o maestro Nino Rota volta. Claudia Cardinale aparece pela primeira vez e o time ideal leva duas estatuetas – o Oscar de melhor filme estrangeiro e de melhor figurino.
8 ½ tem outro ritmo, um bem diferente dos outros filmes do diretor que assistimos até agora. É mais dinâmico muito por conta dos passeios em espaço-tempo diferentes. O protagonista transita entre sua realidade, seus sonhos e suas lembranças. Percebe a complexidade da narrativa?
Guido visita e é visitado por fantasmas de seu passado, figuras de sua infância, seus pais, a vida na escola, o encontro emblemático com a prostituta Saraghina – que inclusive é mencionado em sua autobiografia. Além dessas figuras, na linha do tempo Presente, ele é constantemente colocado em cheque por produtores, jornalistas, personalidades que o cercam fazendo perguntas sobre a nova produção e questionando seu talento.
De forma muito intensa e muito bem orquestrada, Fellini apresenta um personagem que mergulha fundo num conflito existencial que permeia todas essas linhas de espaço-tempo. Não existe um encontro, um lugar, uma personagem com quem Guido esteja plenamente feliz.
“Io non sono felice” (Eu não estou feliz), diz ele numa conversa com uma figura importante da igreja católica. Ele está vivendo uma vida que não faz mais sentido ou que precisa de um sentido dado pela sétima arte para acontecer? O discurso final, dentro do carro, é catártico. 8 ½ começa com uma alegoria ao aprisionamento e termina com uma ode à liberdade: saudando os palhaços no picadeiro.
Se pra nós a esperança dança na corda-bamba de sombrinha, para Fellini ela é uma criança que toca flautim. 8 ½ é uma ode ao sonho, às lembranças, à fantasia. E ainda bem. Afinal de contas, diante de tanta coisa aterrorizante que aconteceu (e vem acontecendo, não é?) aqui fora, quem consegue dar conta de representar a realidade?
8 ½ é possivelmente a grande obra de Fellini, um de seus trabalhos mais aclamados e que todo amante do cinema precisa conhecer. No streaming do Telecine você encontra esse e outros títulos do diretor. A plataforma oferece os 30 primeiros dias de acesso grátis.
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