Por Eduardo Ferrarini
Em toda sua filmografia sempre foi nítido as influências e interesses de Tim Burton. Basta constatar facilmente qualquer um de seus filmes e ver seu afinco pelo Expressionismo Alemão e filmes B. E, curiosamente, o filme que exala isso de forma mais explícita é um dos seus filmes menos lembrados pelo grande público, mas definitivamente um dos mais aclamados pela crítica (senão o mais aclamado), Ed Wood.
Nesta cinebiografia o período corresponde entre a realização do primeiro longa-metragem de Wood (vivido por Johnny Depp), o pavoroso Glen ou Glenda, até seu mais infame e, considerado por muitos, o pior filmes de todos os tempos, Plano 9 do Espaço Sideral, neste meio tempo o filme foca também na parceria e amizade que Wood estabeleceu com Lugosi (Martin Landau), seu relacionamento conturbado com a atriz de seus filmes Dolores Fuller (Sarah Jessica Parker), que se agrava quando Wood decide revelar para ela e a todos seu segredo de se vestir como mulher.
É fascinante como Burton parece construir um paralelo entre ele e Wood e seus processos criativos e influências. Não que Burton seja um diretor incompetente como Wood (longe disso), mas no livro Gothic Fantasy: The Films of Tim Burton, de Edwin Page, Burton cita que se identificou muito com o encontro que Wood teve com Bela Lugosi e como aquilo foi semelhante a quando Burton conheceu seu ídolo Vincent Prince, quando este atuou em Edward Mãos de Tesoura como o cientista-inventor de Edward. Além disso, Burton também sofreu dificuldade de filmar Ed Wood em preto-e-branco, que segundo o estúdio, não tinha apelo comercial, mas Burton insistiu que o filme tinha que ser em preto-e-branco, finalmente fazendo cederem a Burton todo o controle criativo a obra, algo que coincidentemente Wood sofre durante o filme todo, seja por imposições de produtores ou estúdios.
Não apenas por estas questões de bastidores, mas é louvável como Burton consegue construir uma obra tão coesa, divertida e com um protagonista que sustente tão bem a história. Edward D. Wood Jr é, definitivamente, um diretor sem o menor talento e a menor ideia de como dirigir até mesmo um triciclo, mas é inegável seu afeto e vigor pelo Cinema, e é isso que Burton explora com tanto afinco, mostrando um respeito absoluto pelo biografado, seja por, em primeiro lugar, não ser fidedigno integralmente com a história real de Wood, fazendo mudanças que tornam a premissa dramaticamente melhor, como por exemplo, o fato de a única cena que mostra Lugosi integralmente em Plano 9 do Espaço Sideral se passar na frente de sua casa. Na realidade, a cena se passou na frente da casa do lutador de wrestling sueco e posteriormente ator, Tor Johnson.
Além disso, a insistência de Burton pela fotografia em preto-e-branco (cuja direção é de Stefan Czapsky, que trabalhou com ele em Edward Mãos de Tesoura e Batman: O Retorno) é mais do que acertada, já que o visual e atmosfera do filme, mesmo se passando em um universo real, ao contrário da maioria de seus filmes, ainda sim transparecem o onirismo e certa distorção de cenários e maquiagens, revelando novamente as influências de Burton por filmes B como o de Wood ou mesmo os clássicos de terror como Drácula, O Gato Preto, O Corvo… Mais, talvez nenhum filme de Burton consiga absorver de forma tão orgânica o seu visual e estilismo como Ed Wood, já que o aspecto absurdo e medonho nunca parece chamar a atenção pra si mesmo, sendo um dos trabalhos mais contidos e sutis, mas também maduros de Burton, resultando num belíssimo trabalho de direção, como no discreto momento em que Wood e Lugosi caminham na rua e Lugosi interrompe o andar para citar sua fala em A Noiva do Monstro, Burton abaixa a câmera, fazendo um leve contra-plongée, “emoldura” ele e Wood em uma fachada de prédio aparentando ser de arquitetura gótica, construindo simplesmente com o movimento de câmera e enquadramento algo muito semelhante à linguagem dos filmes B, denotando a elegância e sutileza que Burton mantém em seu filme.
Sobre o elenco, a escolha é indiscutivelmente perfeita. Depp já revela aqui seus dotes humorísticos que o fariam explodir em Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra ao assumir caras e bocas para Wood, que parece se deliciar com cada plano e fala feita em seus filmes, mas fugindo do caricatural diretor esnobe e arrogante já que ele passa com talento a total ingenuidade do personagem, que parece sempre alheio a tudo ao seu redor, por estar ocupado demais encantado com os universos fantásticos em que cria. Há divertidas participações de Bill Murray, que faz um amigo que ambiciona mudar de sexo e que atua como um dos alienígenas de Plano 9 do Espaço Sideral, Sarah Jessica Parker que faz Dolores como alguém aflita com a real natureza de Wood, Patricia Arquette que faz Kathy O’Hara, esposa de Wood até sua morte, como uma mulher doce e compreensiva. Mas o destaque acaba sendo Martin Landau como Bela Lugosi, que lhe rendeu seu primeiro e único Oscar em vida, já que infelizmente faleceu recentemente no dia 15 de julho desse ano.
Tanto seu trabalho vocal ao emular com perfeição o sotaque húngaro de Lugosi, mas também trazendo as particularidades de uma voz fraca e deteriorada pela idade e as drogas, algo também visto no excelente trabalho corporal, onde Landau faz de Lugosi um homem extremamente frágil, com postura encurvada, mas com vivacidade ao fazer um movimento de mãos característico de algum personagem seu ou mesmo ao manter uma expressão séria e funesta que facilmente transmite a imposição e medo que seus personagens/ monstros sempre trouxeram.
Vencedor também do Oscar de Melhor Maquiagem, a direção de arte é absolutamente rigorosa, recriando com exatidão os cenários farsescos e de segunda mão dos filmes de Wood e também sendo muito cru e melancólico nos cenários reais, como a escura e triste casa de Lugosi ou a simplicidade e sem vida casa de Wood. Há um interessante vídeo do canal JoBlo Movie Trailers que coloca lado a lado as cenas dos filmes de Wood com as recriadas por Burton para o filme:
Uma bem colocada afirmação dita por Roger Ebert em sua crítica para o filme (com nota 3,5 de 4, uma das mais altas dadas por ele para um filme do Burton, igualada apenas por A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e superada por Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet) diz que Burton não faz de Ed Wood uma gozação em cima da incompetência do diretor, um caminho que provavelmente muitos cineastas acabariam tomando, mas na realidade criando uma celebração pelo amor que Wood inquestionavelmente residia pelos seus filmes e a todos os filmes B e de terror daquele período, traduzindo não apenas a paixão de um, mas de dois cineastas que, os ame ou os odeie, fazem com apreço a Arte que estimam tanto.