Por Joyce Pais

Aproveitando o lançamento de um dos filmes mais comentados (e esperados, pelo menos para mim) do ano, Sete dias com Marilyn, escolhi falar de O Príncipe Encantado, pois acredito que após ver o impressionante desempenho de Michelle Williams no papel de um dos maiores mitos do cinema, muitos ficaram curiosos a respeito do filme original e de todas as histórias e pessoas que serviram de inspiração para o drama.

Único filme gravado pela atriz fora dos Estados Unidos, primeiro e único filme de sua produtora, a Marilyn Monroe Productions, O Príncipe Encantado foi indicado, em 1958, para o BAFTA nas categorias: Melhor Filme, Melhor Filme Britânico, Melhor Ator Britânico (Laurence Olivier), Melhor Atriz Estrangeira (Marilyn Monroe) e Melhor Roteiro Britânico. Após trabalhar com a atriz, Laurence Olivier quase desistiu de dirigir para o cinema, mas decidiu voltar em 1970, com o filme Three Sisters. Conhecido por ser metódico e exigente, Olivier era capaz de falar as linhas de William Shakespeare tão naturalmente com se estivesse “realmente pensando nelas”, certa vez afirmou o dramaturgo inglês Charles Bennett, que o conheceu em 1927.

O longa narra a história de um arrogante e pretensioso Príncipe da Carpathia (Laurence Olivier) que, em 1911, vai a Londres para a coroação do Rei George V. Quando visita um famoso teatro da região, ele conhece Elsie Marina (Marilyn Monroe) e fica encantado pela mulher de pouca sofisticação social, mas dona de senso de humor único e uma aparência deslumbrante. Apesar de flagrantemente opostos, ele a convida para um jantar e a noite em que passam juntos vira um jogo de confusões e situações embaraçosas.

Para entender de forma mais abrangente o processo de produção e filmagem de O Príncipe Encantado, é necessário contextualizar o momento pelo qual Marilyn passava e alguns personagens importantes nesse período de sua trajetória.

Embalado pelo sucesso de O Pecado Mora ao Lado, Nunca Fui Santa prometia repetir o mesmo feito, Marilyn estava em alta, quase tudo era favorável para o seu novo investimento: a Marilyn Monroe Productions. Produtora que idealizou a fim de, entre outras coisas, obter mais autonomia sobre sua carreira, papéis e escolhas. Coproduzido pela Warner, O Príncipe Encantado seria o primeiro filme a ser realizado pela produtora que tinha em sociedade com Milton Greene, fotógrafo, confidente e ex-amante. Eu disse “quase tudo” era favorável porque naquele ano, 1956, muitos obstáculos iriam se colocar no caminho da produção que, posteriormente, resultou em mais um sucesso vinculado à atriz.

Arthur Miller, respeitado dramaturgo famoso pela peça A Morte do Caixeiro Viajante, era, naquele momento, namorado e futuro terceiro marido de Marilyn. Ele passava por uma complicada separação na qual deixou mulheres e filhos, enfrentava problemas com a Comissão de Atividade Antiamericanas, era acusado de ultraje ao Congresso, pelo possível envolvimento com ideologias comunistas e militantes de esquerda. Sendo assim, foi convocado a responder perguntas ao Governo, orientado por seu advogado, só aceitou dar satisfações por um único motivo: precisava do passaporte para viajar com a mulher para a Inglaterra. Na saída da Corte, interrogado sobre o seu caso com a atriz, ele anunciou um casamento para dalí dois ou três dias, Marilyn, que estava em Nova York, tomou conhecimento da declaração de Miller, através da imprensa, que passou a cobrir o assunto incessantemente.

FOX logo percebeu os riscos que corria ao ver sua principal atriz e responsável por uma considerável receita da organização casada com um escritor acusado de envolvimento com comunistas. Sendo assim, Spyros Skouras, presidente da FOX, tentou conversar com sua estrela e Miller a fim de impedir o casamento. A tentativa foi em vão. Marilyn mostrou mais uma vez sua perspicácia publicitária para mediar os conflitos que se colocavam a sua volta. Anunciou que o casamento aconteceria sim, e que Skouras havia disponibilizado sua casa para a cerimônia, assim, dava a entender que o poderoso presidente do estúdio apoiava os dois e, indiretamente, Miller. Skouras dificilmente desmentiria a afirmação.

O casal teve que dar uma coletiva de imprensa improvisada no quintal da casa de Marilyn. Os riscos ainda eram muito altos, Miller corria o risco de não conseguir o passaporte e de ser condenado por não ter delatado nomes ao comitê. Saíram de Manhattan e fugiram para o campo, no condado de Lichtfield, por conta do assédio, durante uma perseguição da imprensa, um jornalista morreu num acidente de carro (sim, essa história dos paparazzis envolvendo mortes é mais antiga do que parece). Marilyn ficou transtornada e para encerrar de vez aquele drama, Miller decidiu que o casamento seria naquele mesmo dia, 30 de junho de 1956. Ela precisou se converter ao judaísmo.

Assim que finalmente o casamento foi realizado, começaram as negociações para O Príncipe Encantado. Uma lista de condições viriam a se colocar: Strasberg queria impor a presença de sua mulher Paula no set, por uma quantia bastante alta e Miller só poderia viajar se garantisse que voltaria caso fosse intimado.

Antes de prosseguir, acredito ser necessário dar algumas explicações resumidas a respeito de quem eram Lee e Paula Strasberg, sobre o Actor´s Studio, o Método e suas influências sobre Marilyn.

Lee Strasberg era diretor artístico do Actor´s Studio, escola de representação para atores em Nova York, que utilizava o Método como base e tinha/teve personalidade como James Dean, Marlon Brandon, Montgomery Clift, Paul Newman, Jack Nicholson no hall dos frequentadores assíduos. Marilyn era uma estrela em meio a tanta pessoas já consagradas. Paula, esposa de Lee, acabou se tornando uma espécie de tutora da atriz, o casal, inclusive chegava a negligenciar os próprios filhos para dedicar seu tempo e proteção exagerada a ela, dessa forma, seus medos e pânicos eram cultivados para torná-la cada vez mais dependente.

Lee desenvolveu nos EUA um sistema inspirado por Stanilavski no Teatro de Arte Moderna de Moscou para as encenações das peças de Anton Tchekhov. Segundo ele, “é preciso encontrar uma forma física da personagem correspondente a uma imagem interior que construímos dele, sem o que é impossível transmitir a própria vida dessa imagem interior”. Em outras palavras, “é preciso encarnar a personagem em lugar de revivê-lo”. Para isso seria necessário desenvolver o processo criativo utilizando-se da memória sensorial, exercícios de relaxamento, concentração e etc.

As mudanças feita por Strasberg no sistema geraram muitas discussões. O mestre russo prevenira seus alunos norte americanos sobre o abuso dos recursos de memória afetiva e memória sensorial. Strasberg desviou o sistema e elaborou o Método. Ele focava num retorno às vivências pessoais, do passado, elencava-se um acontecimento-chave da vida do ator para utilizá-lo como uma ‘muleta’ a fim de evocar sentimentos e sensações. Tal prática era desvinculada de qualquer contextualização e, principalmente, do texto, o qual considerava inimigo do ator. Dessa forma, Marilyn se via frequentemente tendo que voltar a sua traumatizante infância, para rememorar acontecimentos marcantes e buscar essa “inspiração” proposta por Strasberg, seu mentor. Seja pelo Método ou pela psicanálise, suas fragilidades sempre eram expostas e seu sofrimento potencializado.

A imposição de Paula no set só amplificava o clima de tensão decorrente dos já conhecidos e costumeiros atrasos de Marilyn, da sua dificuldade em gravar e decorar falas, isso sem falar dos inúmeros desentendimentos com Olivier. A notícia de que a maior estrela do mundo iria gravar com o mais cultuado ator da Inglaterra causou furor na imprensa, que desde a sua chegada no aeroporto, onde foi recebida por cerca de 200 fotógrafos e jornalistas teve uma recepção digna de um Chefe de Estado. Esta cena foi destaque no filme Sete dias com Marilyn e capa do livro Minha semana com Marilyn (na edição vendida no Brasil e na original também). Todas as vezes que saía em público na Inglaterra, era necessário chamar a polícia e interditar o quarteirão.

Assim que o casal desembarcou em terras londrinas, Vivien Leigh (Scarlett O´Hara de E o vento levou (1939) e protagonista da versão teatral de O Príncipe Encantado) notou o deslumbre de seu marido, Laurence Olivier, pela estrela e, assim, decide anunciar sua gravidez, o que de certa forma ofuscou o boato de que tinha um amante. Tempo depois ela dá uma festa e aborta com cinco meses.

Paralelamente a isso, Marilyn imergiu de vez em sua crise quando, sem querer, leu no diário de Arthur alguns comentário nada elogiosos a seu respeito. Depois de brigarem, ele decidiu voltar aos EUA alegando que “iria ver os filhos”. Desolada, no dia seguinte anunciou sua gravidez, seis dias depois ele volta, mas ela sofrera (mais) um aborto. Mesmo assim, ela ainda teve forças para apoiá-lo publicamente por conta do boicote a sua peça, O Panorama Visto da Ponte, acusado de conteúdo homossexual.

Em outubro, Lee vai a Londres e tenta contato com Marilyn, mas é repelido pela ordens de Laurence e retorna aos EUA com a esposa. Depois foi a vez da psicanalista da atriz visitar sua paciente, ela a orientou a se consultar com Anna Freud, tais encontros resultaram na melhora de sua relação com Laurence e na volta de Paula para o set. Perto do final das filmagens, no dia 29 de outubro, ela foi apresentada a rainha juntamente com outras 20 estrelas de cinema.

Contraditória em muitas ocasiões, Marilyn era considerada muito profissional em alguns momentos, como quando exigia assistir exaustivamente os copiões todas as noites para ver seus erros e emitir observações pertinentes a respeito. O filme, que a princípio, se chamaria The Sleeping Prince, mudou para The Prince and the Showgirl a pedido da atriz, apoiada pelos envolvidos em sua produtora. No fundo, ela sabia que todos estavam interessados na corista e não no príncipe.

Veja o trailer:
[youtube]hoWifilKK7E[/youtube]