Por Katia Kreutz
O medo é algo muito subjetivo. Nos filmes de terror, as ferramentas básicas para despertar essa sensação geralmente são fantasmas, monstros e assassinos (ou todas as alternativas). Histórias livremente inspiradas em fatos reais também são comuns, pois remetem a perigos que poderiam acontecer com qualquer um – inclusive o espectador.
Em 2013, o filme Invocação do Mal abordou a trajetória – supostamente verdadeira – de uma família lidando com acontecimentos paranormais em sua casa. A franquia foi surpreendentemente bem sucedida, dando origem a sequências e spinoffs, entre eles Annabelle, de 2014. O filme acompanha um casal, esperando seu primeiro filho. Certa noite, um crime acontece na casa dos vizinhos e os assassinos acabam ferindo também a mulher grávida. Aos poucos, ela se dá conta de que uma das bonecas do quarto de seu bebê pode estar sendo a causadora de toda a violência.
A sequência desse filme, Annabelle 2: A Criação do Mal é do mesmo roteirista, Gary Dauberman, mas traz um elenco totalmente diferente e também um novo diretor, David F. Sandberg (conhecido por outro longa de terror, Quando as Luzes se Apagam).
A história volta ao passado e explora as origens de Annabelle no atelier do criador da boneca, Samuel Mullins (Anthony LaPaglia). Ele tem uma filha, que morre tragicamente em um acidente. Doze anos depois, o artesão e sua esposa (interpretada por Miranda Otto) decidem abrir as portas de sua casa para um grupo de meninas órfãs e sua tutora, a irmã Charlotte (Stephanie Sigman).
Movida pela curiosidade, uma das garotas acaba descobrindo o quarto onde estava guardada Annabelle, libertando-a. Então, elas começam a testemunhar manifestações da entidade demoníaca que habita dentro da boneca. Duas órfãs em especial, Janice (Talitha Bateman) e Linda (Lulu Wilson), acabam se vendo no centro das atenções desse espírito do mal.
Embora o filme apresente certa sofisticação visual, especialmente nas sombrias cenas noturnas, a narrativa desafia a lógica em vários momentos. Em outros, apela para os clichês do gênero e se torna extremamente previsível. A boneca propriamente dita tem mais momentos cômicos do que assustadores. A geração que cresceu com Brinquedo Assassino aprendeu a rir de objetos possuídos por demônios, ao invés de temê-los.
Os famosos jumpscares (aquela velha técnica de assustar a audiência com uma mudança abrupta de imagem, em geral acompanhada por um som muito alto) também incomodam, porque não acrescentam absolutamente nada à narrativa. Se os realizadores tivessem explorado melhor o suspense e o desenvolvimento dos personagens, antes de partir para os sustos gratuitos, as cenas de tensão e de revelação talvez tivessem um pouco mais de peso.
Os melhores momentos do filme ficam a cargo das crianças que interpretam Janice e Linda. Uma das personagens tem um problema na perna e se considera fraca por isso. Ainda assim, elas prometem uma à outra que serão adotadas apenas se puderem permanecer juntas. A amizade entre as duas e a traumática separação, quando a presença do mal se manifesta, poderia ser uma ótima metáfora para o limiar entre a infância e a adolescência, enfatizando a sensação de abandono e de impotência dessas meninas sem pais. No entanto, o roteiro parece se preocupar apenas em forçar uma conexão com o filme anterior e, por isso, acaba deixando várias pontas soltas na história.
Talvez os espectadores modernos já tenham visto tantos longas de terror que esse vasto repertório os dessensibilizou, de alguma forma. Quem sabe seja preciso um tipo de horror mais elaborado ou sutil para voltarmos a sentir medo no escurinho do cinema, já que os recentes lançamentos do gênero provocam – no máximo – alguns risos nervosos.
Ou talvez o que nos amedronte hoje em dia não sejam mais espíritos fantásticos… É bem possível que o terror desse público mais cético resida nas ameaças oferecidas pela ficção científica – guerras químicas, alienígenas, inteligência artificial. Pode ser que estejamos menos propensos a acreditar no sobrenatural e nos poderes de uma boneca demoníaca, sim; mas também pode ser que Hollywood precise trabalhar um pouco melhor as ideias antes de lançar outro caça-níquel nas salas de cinema.
Annabelle 2: A Criação do Mal (Annabelle: Creation)
Ano: 2017
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco principal: Talitha Bateman, Lulu Wilson, Stephanie Sigman, Anthony LaPaglia, Miranda Otto
Gênero: Terror, Mistério
Nacionalidade: Estados Unidos
Veja o trailer: