Por Sttela Vasco
Se teve uma coisa que não faltou no 69º Festival de Cannes, encerrado neste domingo, 22, foi emoção. A edição, que teve como mote “homenagear e festejar a história do cinema” e se inspirou em O Desprezo (Le Mépris), de Jean-Luc Godard para o pôster oficial, contou com polêmicas de todos os tipos, surpresas, protestos dentro e fora do tapete vermelho, aplausos, críticas – positivas e negativas – e até mesmo um júri vaiado.
Presidido pelo diretor australiano George Miller (Mad Max), o grupo foi duramente criticado por alguns jornalistas devido à decisão de entregar o Grande Prêmio do Júri para Juste La Fin du Monde, do garoto-prodígio Xavier Dolan, e o prêmio de direção para Olivier Assayas, por Personal Shopper – compartilhado também com Cristian Mungiu, de Bacalauret. Ambos os longas, de Dolan e de Assayas, foram mal recepcionados pela imprensa, sendo vaiados em suas exibições, e passavam longe como apostas para qualquer prêmio. Tentando amenizar a saia justa, Miller ainda se desculpou e buscou justificar a decisão. “Discutimos por mais tempo do que outros júris, e nada foi deixado sem debate. Fizemos o melhor que pudemos”, afirmou o australiano.
O grande prêmio da noite, a Palma de Ouro, não recebeu nenhum protesto ao ser entregue ao britânico Ken Loach, por I, Daniel Blake. Próximo dos 80 anos, Loach afirmou ter apenas feito o mesmo trabalho de sempre e se disse surpreso com prêmio porque, segundo ele, “nessa idade você fica feliz se vir a luz do sol no dia seguinte”. Aclamado pela crítica internacional e considerado um dos mais fortes concorrentes ao prêmio, Aquarius, do brasileiro Kléber Mendonça Filho, saiu de Cannes sem menções honrosas. Sônia Braga, que concorria pelo longa na categoria de Melhor Atriz, perdeu para a filipina Jaclyn Jose, de Ma’Rosa.
Apesar da derrota de Aquarius, o cinema nacional contou com duas gratas surpresas. O documentário Cinema Novo, de Eryk Rocha, recebeu o L’Oeil D’Or, prêmio paralelo dado ao melhor documentário do festival inédito para o Brasil, e o curta-metragem A Moça que Dançou com o Diabo, de João Paulo Miranda Maria, recebeu menção honrosa. A obra, feita com R$ 500, também concorreu em sua categoria, mas foi vencida por Timecode, de Juanjo Giménez.
Ano de Protestos e Polêmicas
A edição de 2016 contou também com diversos atos no tapete vermelho. A começar com Julia Roberts, Kristen Stewart e Sasha Lane indo descalças à celebração. O objetivo era protestar contra algumas mulheres terem sido impedidas de participar do evento em 2015 por estarem calçando sapatos baixos. Até mesmo a produtora Valeria Ritcher, cujo um dos pés é parcialmente amputado, teria sido parada enquanto tentava acompanhar a exibição de The See of Trees, de Gus Van Sant.
Um dos atos mais comentados foi o protesto feito pela equipe de Aquarius. Pouco antes da apresentação do longa na sessão de gala, Kléber Mendoça Filho e membros do elenco e produção do longa exibiram cartazes contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff com dizeres em inglês e francês com frases como “um golpe ocorreu no Brasil”, “o Brasil já não é uma democracia” e “resistiremos”.
A política dos EUA, e a possível ascensão de Donald Trump à presidência do país, também esteve presente no festival. Em coletiva após a exibição de, Jogo de Dinheiro (Money Monster), apresentado paralelamente à competição e seu 4º filme como diretor, George Clooney reafirmou seu posicionamento contrário ao candidato republicano ao dizer que “Donald Trump jamais será presidente. Não compraremos essa ideia de medo das mulheres, de medo dos muçulmanos, de medo dos imigrantes.”.
Participando da premiação pela 14ª vez, dessa vez fora de competição, Woody Allen abriu o festival com seu mais novo filme Café Society, que foi extremamente elogiado e chegou a ser eleito como o melhor do diretor nos últimos dez anos. Porém, apesar da aclamação ao seu novo trabalho, Allen virou mesmo o centro das atenções após Laurent Lafitte, humorista francês e mestre de cerimônias dessa edição, cutucar o diretor à respeito do escândalo envolvendo a acusação de abuso sexual por parte de Dylan Farrow, filha adotiva de Mia Farrow que ele também adotou ao se casar com a atriz.
“É muito legal que você tenha rodado tantos filmes na Europa, mesmo que você não tenha sido condenado por estupro nos Estados Unidos”, disse o comediante, dirigindo-se a Allen e causando misto de silêncio e risos na plateia. A atriz Susan Saradon também se posicionou contra Allen durante entrevista. “Eu não tenho nada de bom para falar a respeito de Woody Allen (…) Ele abusou sexualmente uma criança e eu não acho que isso é certo”, disse.
Outro grande “climão” ficou por conta de Sean Penn. Seu longa The Last Face teve uma péssima recepção, sendo motivo de risos, piadas e vaias durante a apresentação. Considerado um dos piores filmes do festival e também racista, a história de dois agentes humanitários, interpretados por Javier Bardem e Charlize Theron, que se apaixonam em meio às tragédias de um campo de refugiados africano não convenceu e foi tido como de mau gosto pela imprensa. Além dele, outro longa bastante vaiado e criticado foi The Neon Demon, de Nicolas Winding Refn. Com cenas de nudez, necrofilia e canibalismo, o longa provocou reações diversas na plateia. Alguns riram, outros xingaram e teve até quem saísse do cinema. Vale lembrar que Refn não tem uma boa relação com Cannes e é bastante repudiado pelo meio devido ao seu estilo violento e, por diversas vezes, gore.
É possível dizer que a edição desse ano marcará muito mais por suas polêmicas do que por seus filmes. Sem tantos concorrentes fortes, a antecessora da grande festa de 70 anos do festival acabou ganhando os holofotes mais pelas reações e provocações do que pelas obras nela apresentada. Porém, não se pode dizer que isso seja algo negativo. O cinema sempre teve como missão questionar, argumentar e debater a sociedade, logo, nada mais justo do que usar uma das maiores premiações da indústria para expor opiniões e situações. Se existe o posicionamento dentro das telas, é muito bom que o mesmo seja visto fora delas também. Com vaias, saias justas e divergências de opiniões é bom que o festival tenha chamado atenção pelas críticas e não somente pelo glamour (ou ausência dele). Ao cinema brasileiro, fica a lembrança de uma ótima participação, com prêmio inédito e a valorização e reconhecimento, ao menos internacional, de produções nacionais, sejam elas feitas com alto ou baixo orçamento.
Confira abaixo os vencedores da 69ª edição do Festival de Cannes:
Palma de Ouro: I, Daniel Blake, de Ken Loach;
Grand Prix: Juste La Fin Du Monde, de Xavier Dolan;
Prêmio do Júri: American Honey, de Andrea Arnold;
Atriz: Jaclyn Jose, por Ma’Rosa;
Ator: Shahab Hosseini, por The Salesman;
Direção: Cristian Mungiu por Graduation e Olivier Assayas, por Personal Shopper;
Roteiro: Asghar Farhadi por The Salesman;
Palma de curta-metragem: Timecode, de Juanjo Giménez, com menção honrosa para o curta brasileiro A Moça Que Dançou com o Diabo, de João Paulo Miranda Maria
Caméra d’Or: Divines, de Houda Benyamina
Para mais informações, acesse o site oficial do Festival de Cannes.